MATÉRIA PUBLICADA NO JORNAL CORREIO POPULAR 31/10/2017 BARROSO: MOMENTO DO PAÍS É DE "TRANSFORMAÇÃO"

A insegurança jurídica no Brasil é um dos maiores reflexos da corrupção, segundo o Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso. Para o magistrado, a delação da Odebrecht, que levou à prisão 400 políticos de 26 partidos, e a colaboração premiada da JBS, que envolveu 1.829 autoridades públicas e 28 legendas, provam a necessidade de uma reforma política nacional.
“Estamos lidando com uma corrupção sistêmica, endêmica, que vem de muito longe e foi se aprofundando a ponto de se criarem esquemas profissionais de arrecadação e distribuição que envolviam agentes públicos, agentes privados, empresas estatais, empresas privadas, partidos políticos, e membros do Congresso Nacional. Foi um fenômeno que se irradiou de uma maneira muito abrangente. É impossível não sentir vergonha do Brasil”, disse ontem, durante o Fórum RAC, promovido pelo Grupo RAC.
Mas, para Barroso, o País do golpe, que já se recuperou de momentos políticos críticos e instabilidade monetária, será capaz de retomar as rédeas. “O Brasil vive um momento difícil. Sem perder o realismo, precisamos encarar esse momento como de transformação. Uma das grandes conquistas que tivemos nos últimos 30 anos de democracia foi a estabilidade institucional que foi mantida mesmo depois de escândalos como o Mensalão, a operação Lava Jato e a saída recente de dois presidentes. Se ainda estamos de pé, é porque superamos”, afirmou. Segundo o ministro, uma das medidas para a recuperação do país é resolver questões como a judicialização excessiva e o uso abusivo de medidas provisórias.
“A Medida Provisória só deveria ser utilizada para matéria de urgência e relevância. Tem Medida Provisória até para dar nome de rua. Houve abuso”, disse. “O que é preciso se fazer é recolocar a política de boa qualidade no centro das grandes decisões nacionais”, disse. “As mesmas pessoas que reclamam do excesso de judicialização, quando algo dá errado, dizem que o Supremo tem que fazer algo”, enfatizou.
Tão importante quanto, segundo ele, são necessários novos debates democráticos, justa distribuição de renda e investimento na educação pública. “Vivemos em um país que gasta 54% do seu orçamento com Previdência e 20% com Saúde e Educação. Ou mudamos essa cultura ou a atual geração não tem futuro. Um grande problema do País é a falta de investimentos na primeira infância. Hoje existe uma enorme evasão no ensino médio, que é consequência da falta de investimentos nesse primeiro momento”, afirmou.
Para Barroso, é inadmissível que o Brasil ainda viva a falta de saneamento básico e problemas graves de mobilidade urbana. O magistrado falou ainda das reformas estruturais que o país precisa. “Com o envelhecimento da população, daqui a 15 anos teremos duas pessoas trabalhando para cada uma aposentada. Na atual circunstância, a conta não fecha.”
Além da previdência social, segundo ele precisam de mudanças as áreas tributária e trabalhista. “Hoje existe um excesso de casos judiciais, uma realidade que não pode continuar. No Brasil, há 5 milhões de ações trabalhistas por ano e 77 mil na França”, falou. Barroso disse ainda ser a favor da Justiça do Trabalho. “Precisamos preservar direitos fundamentais como salário, férias, repouso e segurança”, completou.
Investimentos
O ministro falou ainda que, para a retomada dos investimentos no País, seria ideal uma unificação de tributos como IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços). “O Brasil é o país que mais tributa o consumo. Metade do recurso arrecadado vem dos impostos. Isso aconteceu com o cigarro, por exemplo. O produto foi tão taxado que acabou incentivando o contrabando, que já representa 40% das vendas”, explicou.
Segundo a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), foram comercializados, no primeiro semestre deste ano, 8,7 bilhões de cigarros legalizados e 6,8 bilhões de unidades que não pagaram impostos. Com isso, o governo estadual deixou de arrecadar R$ 1,6 bilhão.
O ministro falou ainda das condenações em segunda instância. Para ele, o direito de defesa deve ser respeitado, mas não pode significar que o processo não chegue ao fim. “É preciso respeitar a Constituição e o direito de defesa, mas respeitar o direito de defesa não significa que o processo não acaba nunca. Respeitar o direito de defesa é dar direito de contestar a ação, produzir provas no momento adequado e ter uma segunda instância. Fora isso, deixa de ser direito de defesa e passa a ser uma pretensão de impunidade”, contestou. “A fotografia é ruim, mas o filme é bom. Precisamos apenas retomar o caminho que perdemos”, concluiu.